"Ende Voce", de Marcelo Carneiro, revela a visão cultural de uma comunidade nativa da Amazônia brasileira, que é a base mestiça do povo brasileiro, e que não conhece fronteiras entre "você" e "eu", entre "eles" e "nós". Uma visão urgente a ser instalada para a sustentabilidade do planeta. Marcelo Carneiro, seu autor, nos conta detalhes do nascimento de sua obra.
No verão de 2015, minha editora, Annete Baldi (editor Projeto), me ligou e me disse que havia obtido fotos de Araquém Alcântara e que queria submeter um livro a um concurso organizado pelo Ministério da Educação do Brasil. O prazo era muito apertado, poderia eu pensar em alguma coisa?
Eu gosto de trabalhar assim. No dia seguinte eu a apresentei com uma sinopse, ela aceitou, e três dias depois eu a apresentei com o livro, 55 páginas de textos e fotos, com o título Ende/Você, ou Você/Você, em tupi e português.
Naquela época, estávamos passando por uma escassez de energia em São Paulo. No Brasil, a maior parte da energia é hidroelétrica, e estávamos construindo Belo Monte, com grandes debates a favor e contra, justamente para suprir essa escassez. Energia da Amazônia, ao sudeste industrial, em um país interligado, o trabalho de Dilma Roussef.
O Brasil é muito tupi. Os portugueses chegaram aqui, mas usaram o Brasil apenas como escala em sua viagem para a Índia. Durante cem anos, o Brasil foi um dos mestiços resultantes dos casamentos dos portugueses que fugiam dos navios, com mulheres indígenas. Esta é a origem do povo brasileiro, e estas pessoas falavam Nheengatu, ou uma forma adaptada de Tupi, até o século XIX.
No livro, um menino chamado Miro vive um dia sem energia. Durante aquele dia, quando nada mais funciona, ele olha para o novo álbum de fotos de seu pai, que ainda está em evidência, e é chamado de Ike/Here. O pai defende a idéia de que não há lá, não há aqui. Eles e nós. Somos um só povo, somos um só destino, interligados.
Miro olha as fotos e lê os comentários de seu pai. Ele percebe que o mundo que seu pai fotografa consegue lidar muito bem com a falta de energia que paralisa este outro mundo. Ele vê que as crianças indígenas podem ir e fazer aquilo com que nem sonha. Ele percebe que a cultura tem muito poder, apenas diferente. Quando seu pai o chama à noite, Miro lhe pede para fazer o que seu pai sempre lhe ofereceu, e ele nunca quis fazer: ir lá.
Miro vai e tira fotos dele. Mas não apenas isso. Ele faz um novo amigo, o filho de um amigo cacique de seu pai, e nos deixa claro que todos nós precisamos fazer este encontro se quisermos um Brasil que sobreviva ao que está por vir. Isto é o que Ende/You nos diz.
As fotos de Araquém Alcântara fazem do livro o que ele é. Vale a pena ver!
PERFIL DO AUTOR
Marcelo Carneiro da Cunha formou-se em Jornalismo e publicou seu primeiro livro Noites do Bonfim em 1987. Ele publicou 18 livros premiados e também é roteirista de cinema.
Vendendo através da Amazônia